Em noite de Natal falo sobre religião com pessoas de muito diferentes convicções e mais uma vez me espanto com o domínio dos textos religiosos exibido por um dos ateus presentes. É aliás um hábito dos ateus participar com o maior dos entusiasmos na festa do Natal, sabendo tratar-se da evocação simbólica da data convencionada para o nascimento de Jesus. Celebram e sublinham que datas como esta, em que um dos mestres da Humanidade se celebra com vigor e universalidade, deviam ser repetidas e promovidas ao longo do ano, com o mesmo grau e dimensão.
A expressão “mestres da Humanidade” leva-nos a outras discussões. Quais foram? Ainda há algum? Aliás, uma sondagem recente demonstra que nos Estados Unidos, onde a cultura está longe de ser bem tratada, a população festeja o Natal sem o relacionar com o nascimento de Jesus – ignorando mesmo que festeja o profeta e a religião.
Esta palavra – profeta – também nos leva a uma outra discussão, e esta noite de Natal, morna e aconchegada como deviam ser todas e sempre, acende as velas da nossa formação e dos nossos entusiasmos.
Um de nós fala do livrinho do filósofo Karl Jaspers que é exatamente intitulado Os Mestres da Humanidade, identificando Sócrates, Buda, Confúcio e Jesus, esquecendo talvez propositadamente os ensinamentos de outro profeta, Maomé, que determinaram e determinam o rumo da Humanidade. Como se lê no prefácio do mesmo livrinho, sem a crítica “ateia” toda a religião corre o risco da idolatria, isto é, incoerente com valores e ideias associadas a um Deus transcendente, e por tal natureza único. A discussão toma novo rumo, sobre monoteísmo e politeísmo, sobre espiritualidade e fé – e sobre a natureza humana, que só é completa quando estrutura uma crença em cada um individualmente, mesmo que essa não inclua qualquer deus ou representação divina.
Foi um belo diálogo. A melhor filosofia emana sempre de diálogos. Mas sobretudo foi uma lugar essencial para depositar os brilhos do pensamento que ainda resiste em certas noites de Natal.
Alexandre Honrado
Historiador